Alguns livros são oportunos, outros poucos, desejáveis. Raros são absolutamente indispensáveis. É o que se dá com está publicação. Reúne toda a poesia publicada por Alice Ruiz S durante a década de 1980. A poeta paranaense é hoje uma figura pública, reverenciada por onde passa, ministrando suas oficinas poéticas ou apresentando seus poemas na companhia de cantoras populares. Sempre encantadora, a poeta seduz qualquer platéia com suas performances delicadas e com suas aulas inspiradas e motivadoras. Poucos fazem tanto, no Brasil de hoje, para cativar e formar o público para a sempre minoritária e difícil arte da poesia quanto Alice Ruiz S. Mas o mesmo público que a poeta faz se aproximar da poesia sente enorme dificuldade em encontrar os seus poemas, pois suas obras estão há muito esgotadas e muitas delas jamais foram reeditadas. Este livro vem corrigir esta lacuna.
A década de 1980, na poesia brasileira, foi um período de superação do espontaneísmo exacerbado da "geração mimeógrafo" ou da "Poesia Marginal" que surgiu com força na década anterior. Algumas características muito férteis da poesia dos anos 1970, como a criatividade, o humor e a inventividade veloz, são articulados a um maior rigor formal e conceitual aprendido principalmente com a "Poesia Concreta" paulistana. Poetas como Sebastião Uchoa Leite, Paulo Leminski, Antonio Risério, Caetano Veloso, Glauco Mattoso e Alice Ruiz S, cada um a seu modo, efetuaram está síntese feliz.
Neste Dois em Um podemos observar nitidamente está síntese sendo construída por Alice Ruiz S durante toda a década. Nos poemas mais antigos como os de Até 79 e nos de seu livro de estréia, Navalhanaliga, a poeta oscila entre os poemas engajados repletos de intertextualidade paródica, bem a gosto da Poesia Marginal, como "Drumundana" e poemas com uma organização visual claramente inspirada na Poesia Concreta, como "Bem que eu vi". Nestes textos do inicio da década, em que o teor feminista é mais presente, a poeta ainda oscila entre os dois pólos, mas já encontramos momentos de síntese perfeita, como em "nada na barriga/navalha na liga/valha".